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ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DA SEGURANÇA JURÍDICA À ATRAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO

25 de setembro de 2019, 6h46

Por Arnoldo Wald e Riccardo Giuliano Figueira Torre

 

O Decreto n.º 10.025, publicado na segunda-feira no Diário Oficial, regulamenta o uso da arbitragem pela Administração Pública federal em diversos setores de infraestrutura, vindo ao encontro de um contexto em que recentes mudanças legislativas passaram a positivar a ampla utilização da via arbitral por entes públicos. O que se vê, atualmente, é uma desejável guinada histórica em prol da arbitragem nessa seara, contrapondo-se ao panorama observado até meados do século passado, em que a arbitragem era estranha aos contratos firmados com entes do Estado.

 

Nesse contexto, além da atualização da Lei de Arbitragem (Lei n.º 9.307/96) em 2015, que introduziu dois parágrafos ao artigo 1º e um parágrafo ao artigo 2º da lei com o intuito de permitir, explicitamente, a utilização da arbitragem pela Administração Pública direta e indireta em litígios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, outro importante passo na mesma direção foi dado em 2017, quando a Lei n.º 13.448 passou a regular, no art. 31, seu uso em contratos de infraestrutura.

 

Prosseguindo a evolução legislativa no detalhamento e disciplina desses temas, o mais recente diploma é responsável por revogar o Decreto n.º 8.465/2015, que dispunha sobre a arbitragem como método de resolução das disputas surgidas no setor portuário, e passa agora a abranger um espectro mais amplo de setores de infraestrutura, estendendo-se também a transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.

 

Seu texto teve por finalidade, entre outros, aprofundar a regulamentação das especificidades inerentes à presença do Poder Público em arbitragens, que não são aplicáveis em contendas apenas entre particulares. Tanto assim que um de seus objetivos foi o de regulamentar o §5º do art. 31 da Lei n.º 13.448/17, estabelecendo, para tanto, os critérios de credenciamento das câmaras arbitrais a fim de que possam futuramente administrar os procedimentos arbitrais, facultando, inclusive, que o contratado indique a câmara de sua preferência dentre aquelas credenciadas, mas é assegurada à Administração Pública a possibilidade de impugnar a escolha. Não é demais lembrar, neste tocante, o entendimento consolidado de que a contratação das câmaras se enquadra nas hipóteses de dispensa de licitação previstas na Lei n.º 8.666/93, porquanto há caráter de notória especialização.

 

No mais, confirmam-se vários dispositivos da Lei n.º 13.448/17, na medida em que o decreto repete que a arbitrabilidade objetiva dos litígios estará adstrita ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, cálculo de indenizações ou inadimplemento contratual, de forma idêntica ao §4º do referido art. 31. Como sói ocorrer, a publicidade dos procedimentos foi reafirmada, afinal se trata de princípio tão caro a ponto de ter sido incluído na atualização da Lei de Arbitragem, bem assim repetiu-se a obrigação de recolhimento antecipado das custas e despesas pelo contratado (à exceção de assistentes técnicos).

 

O decreto inova ao estabelecer situações nas quais, inexistindo previsão de arbitragem, a administração avaliará os prós e contras de recorrer à arbitragem, privilegiando-a, por exemplo, sempre que a divergência se relacionar a “aspectos eminentemente técnicos”; ou seja, reconhece o alto grau de especialização das decisões arbitrais, traduzindo em norma uma pré-disposição que, décadas atrás, era absolutamente inimaginável do ponto de vista estatal.

 

De maneira geral, o principal efeito positivo do Decreto é o de consolidar a arbitragem como uma realidade entranhada – e indissociável – na vida da Administração Pública brasileira, acelerando a marcha das adaptações que o setor público vem fazendo para a ela se adequar. Apesar de essa realidade ser mais firmemente notada nos últimos anos, a iniciativa da discussão não é nova.

 

Em 2007, o Ministro Toffoli assumiu o cargo de Advogado-Geral da União e fez questão de ampliar os horizontes em prol do emprego de instrumentos mais eficazes na consecução de justiça material, sugerindo que se pensasse em “instrumentos de solução de conflitos que aproximem a Advocacia-Geral da União e o Poder Judiciário dos cidadãos e do setor produtivo do país, estabelecendo-se a distribuição de uma justiça horizontal, em que as partes envolvidas se submetam à decisão por elas negociada”.

 

O ápice, por assim dizer, que deu concretude a este movimento no âmbito da AGU aconteceu no final de 2018, quando foi editada a Portaria n.º 226/18 para criar o núcleo especializado em arbitragem, capitaneado pela procuradora da Fazenda Nacional Paula Butti, que vem atuando em procedimentos envolvendo a União em disputas no mercado de capitais, concessões e energia elétrica. O art. 13 do Decreto n.º 10.025 ratifica que a União e seus entes serão representados por membros da AGU, frisando a importância do trabalho desenvolvido pelo núcleo especializado.

 

Esse cenário de mudanças que favorecem o uso da arbitragem é, decerto, uma win-win situation para todos os envolvidos.

 

Para a Administração Pública, todas suas prerrogativas são mantidas e é o particular quem tem que arcar antecipadamente com as custas e despesas, mantendo-se o pagamento de eventual condenação por meio de precatório ou requisição de pequeno valor, de modo que os desembolsos obedecerão ao mesmo critério válido para condenações judiciais.

 

Para os investidores estrangeiros, acreditamos tratar-se de iniciativa que será extremamente bem recebida.

 

A um só tempo, a solução pela via arbitral aumenta a segurança jurídica e reduz os custos de transação. Há a possibilidade de indicação de julgadores especializados na respectiva matéria, o que se traduz em decisões igualmente com maior minúcia técnica.

 

A contrario sensu, se é certo que o procedimento se revelará, a princípio, mais custoso para o particular em razão da obrigação de antecipação das custas, é igualmente certo que o trade-off compensa. Afinal, é preferível, sob a perspectiva econômica, que o investidor receba a prestação jurisdicional dotada de maior grau de tecnicidade e possa “precificar” a certeza de que uma decisão final e definitiva será proferida em até 4 anos, conforme impõe o art. 8º do Decreto, ao invés de ser obrigado a litigar e aguardar, indefinidamente, pelo julgamento de um sem-número de recursos até que a demanda judicial finalmente transite em julgado.

 

Por fim, também vislumbramos benefícios indiretos para o governo, eis que os potenciais ganhos com a retomada de investimentos em infraestrutura – que a arbitragem poderá facilitar – representam a concretização de uma de suas principais pautas econômicas. Afinal, alavancar e destravar os setores de infraestrutura através de diversos pacotes de concessões e privatizações depende, necessariamente, de investimento externo, e para isso a arbitragem pode funcionar como verdadeira externalidade positiva.

 

Arnoldo Wald é professor, advogado, especialista e parecerista na área de Arbitragem, do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Presidente honorário da Comissão de Arbitragem da OAB e um dos organizadores, junto com os Professores Luiz Gastão Paes de Barros Leães e Modesto Carvalhosa, da obra A Responsabilidade Civil da Empresa Perante os Investidores. Contribuição à modernização e moralização do Mercado de Capitais (Ed. Quartier Latin)

 

Riccardo Giuliano Figueira Torre é sócio de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. É Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito Processual pela USP e possui LL.M. em International Business Regulation, Litigation e Arbitration pela New York University, tendo recebido o prêmio Arthur T. Vanderbilt. É secretário geral do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil e autor de diversos artigos em arbitragem.

 

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2019, 6h46

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